O aumento da oferta – igualmente alavancado pelos subsídios que o Estado, desde a década de 90, tem direcionado para as renováveis – fez descer os preços das unidades de produção a um nível em que instalar painéis solares passou a ser acessível à maioria da população. O custo destas unidades de produção para autoconsumo (as bem conhecidas “UPAC”) desceu de tal forma nos últimos anos que algumas empresas do setor desenvolveram inclusivamente painéis solares a instalar em varandas, de modo a aproveitar todo o espaço disponível nas fachadas.
Esta proliferação das UPACs solares deveu-se também a um outro fator. É que o aumento da oferta, associado à descida dos preços da eletricidade na Europa, conduziu a que os projetos de reduzidas dimensões deixassem de ser rentáveis. A procura de “escala” conduziu, assim, as empresas a “mudar-se para o chão” e a cobrir as planícies alentejanas de painéis reluzentes capazes de injetar grandes quantidades de eletricidade nas infraestruturas de rede portuguesas.
Sucede, porém, que, para além dos constrangimentos que existem na rede de serviço público nacional para acomodar toda a nova eletricidade produzida, a verdade é que também já não existem, em Portugal, muitos terrenos disponíveis para a instalação de painéis, seja porque estes são utilizados para agricultura e pastoreio, seja porque estão repletos de habitações. A estas dificuldades acrescem ainda outras derivadas da circunstância de grande parte do território nacional integrar, nos termos dos respetivos regimes jurídicos, quer a Reserva Agrícola Nacional, quer a Reserva Ecológica Nacional, ambas áreas nas quais, à luz da sua importância para a agricultura ou das características da fauna e da flora existentes, se verificam fortes restrições à implementação de construções e projetos.
A inexistência de espaço térreo para a implementação dos projetos conduziu, então, os promotores a reinventar-se novamente, deslocando-se desta vez para a água, onde instalaram inovadoras infraestruturas flutuantes. Se a nível do solar, a instalação ocorre, a maior parte das vezes, nas barragens portuguesas, já a nível do eólico o plano é instalar turbinas ao longo da costa portuguesa, com especial enfoque nas áreas do Norte, onde existe mais vento.
Ora, como facilmente se compreenderá, se a instalação de projetos no solo térreo já encontrava dificuldades a nível de disponibilidade de solo e das exigências ambientais, é evidente que a utilização dos recursos hídricos nacionais para implementação de projetos de renováveis, se não enfrenta o primeiro problema, é fortemente restringida pelo segundo. É que, se no primeiro caso, é possível encontrar áreas desprovidas de biodiversidade ou mesmo compensar os danos causados aos ecossistemas através da replantação de outras áreas espécies arbóreas, o certo é que tanto as barragens, como o mar, se encontram repletas de peixes e outras espécies que merecem igualmente proteção, motivando preocupações a nível dos materiais de que são compostas as infraestruturas, das vibrações que elas possam provocar e mesmo quanto à sua compatibilização com atividades tão antigas como a pesca.
A somar a estes inconvenientes de ordem prática existe um outro de índole jurídica, que se prende com o aumento da burocracia dos procedimentos de licenciamento dos projetos que, nestes casos, não se basta com o “título da eletricidade”, mas exige igualmente a obtenção (e respetivo pagamento) de uma autorização para utilização dos próprios recursos hídricos nacionais.
Ora, todos estes fatores contribuem, naturalmente, para o encarecimento dos projetos.
Se os somarmos ao atual estado dos preços da eletricidade na Europa somos forçados a questionar se, atualmente, apesar de as medidas que têm sido adotadas pelo Governo no sentido de acelerar e promover os projetos, agilizando a burocracia associada, temos efetivamente em Portugal um contexto favorável à implementação das renováveis. É que, se o estado de coisas se mantiver no futuro, antecipa-se que muitos promotores optem por vender os seus projetos, em claro prejuízo para o cumprimento das metas da transição energética.
Neste cenário, cabe perguntar: serão os projetos de autoconsumo capazes de singrar no panorama Português ou farão antes parte de uma realidade condenada a desaparecer?
Catarina Pita Soares
CMS Rui Pena & Arnaut
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