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horta urbana solar – Projeto agrovoltaico em campus universitário

A horta urbana Solar é um projeto multidisciplinar de investigação e de demonstração de um sistema agrovoltaico para explorar a produção combinada e sinergética de eletricidade solar e produtos agrícolas.

O sistema agrovoltaico (Figura 1) está instalado no laboratório exterior de energia solar no campus da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa é uma iniciativa desenvolvida no âmbito do Laboratório Vivo para a Sustentabilidade @Ciências.

O sistema fotovoltaico (PV) tem uma potência instalada de 7,14 kWp (Tabela 1) e inclui uma string de módulos convencionais e uma string de módulos bifaciais, montados numa estrutura com alinhamento este-oeste que se eleva a 2,5 metros de altura, fixa ao solo com sapatas de cimento com 1 m2 e 50 cm de profundidade. O sistema PV tem um performance ratio de 85%, estimando-se uma produção anual de cerca de 12,3 MWh/ano. Atualmente a eletricidade solar é utilizada para satisfazer os consumos de outras experiências científicas a decorrer no laboratório, com injeção na rede de eventuais excessos de geração; no futuro próximo o sistema será integrado num sistema de autoconsumo coletivo.
Por baixo da estrutura de fixação dos módulos, estão em fase de plantação cerca de 600 plantas anuais, especificamente milho e feijão e cerca de 140 plantas perenes de 5 espécies diferentes (Tabela 1). A diversidade de plantas, em termos de ciclo da vida e de estratos ocupados, foi planeada para aumentar a resiliência do sistema. O feijão e o milho têm ambos um crescimento rápido e ciclos de vida curtos, enquanto alfarrobeira, aveleira e medronheiros são árvores e arbustos de grande porte com um ciclo de vida longo. As alfazemas e pimentas como arbustos de pequeno porte têm características intermédias.

Figura 2. Representação esquemática do sistema agrovoltaico para simulação do sombreamento.

Para analisar o sombreamento dos módulos PV no solo, a operação do sistema agrovoltaico foi simulado em ambiente SketchUp (Figura 2) para determinar as horas de sol e irradiação solar ao nível do solo nas
zonas cultivadas.

Foram testadas diferentes configurações, variando a inclinação e espaçamento entre módulos. Como podemos observar na Figura 3, o efeito mediano do sombreamento é de uma redução da cerca de 15% da irradiação anual que chega ao solo. Um quarto da área cultivada apresenta perdas inferiores a 10 (quartil superior, assinalado a laranja) enquanto três quartos da área apresenta perdas inferiores a cerca de 20% (quartil inferior, assinalado a amarelo). Os valores mínimos referem-se a locais atrás dos postes da estrutura de suporte dos módulos, com sombreamento muito frequente e perdas de radiação de cerca de 50%. Os valores máximos referem-se a locais com exposição solar quase permanente, praticamente sem sombreamentos ao longo do ano. É interessante notar que a perda de irradiação anual é pouco sensível à inclinação dos módulos fotovoltaicos e por isso a sua configuração final pode ser ajustada para maximizar a geração de energia.

Figura 3. Distribuição da irradiação solar anual em função da inclinação dos módulos.

A irradiação solar ao nível do solo pode ser traduzida em evapotranspiração, considerando a temperatura ambiente e humidade relativa local. Em seguida, combinando valores mensais de evapotranspiração e precipitação média, podemos estimar as necessidades de rega para anos húmidos ou secos. Os resultados do modelo revelam que a relativamente pequena redução de irradiação de cerca de 15% pode reduzir o período de rega para cerca de 40%, e reduzir o volume de rega em quase 70% (Figura 4).

Figura 4. Necessidades de rega com e sem sombreamento do sistema agrovoltaico (verde e amarelo, respetivamente). Exemplo para ano húmido.

A configuração da horta urbana foi idealizada para explorar o efeito do sombreamento nas necessidades de irrigação das várias culturas. Experimentalmente, foram definidos três talhões equivalentes, cada um com uma solução de irrigação distinta (Figura 5). Um dos talhões tem um sistema de irrigação convencional com temporizador enquanto outro é irrigado com um sistema inteligente baseado em medições locais de humidade do solo (sistema desenvolvido no âmbito de uma tese de mestrado). O terceiro talhão não tem qualquer tipo de irrigação. Finalmente, as três soluções de irrigação são replicadas na zona de controlo, não sombreada.

Figura 5. Setup experimental do sistema de rega e talhões de plantação.

A monitorização dos parâmetros ambientais locais e o crescimento das plantas permitirá avaliar o impacto do sombreamento do sistema agrovoltaico nas necessidades de irrigação da horta solar. Cada talhão é constituído por um conjunto de subáreas com condições de sombreamento distintos (isto é, mais perto ou mais longe dos postes de fixação da estrutura fotovoltaica) o que permite explorar estatisticamente o efeito do sombreamento para as diferentes condições de rega. A versatilidade do sistema agrovoltaico permitirá explorar em anos vindouros o impacto na rega de outras configurações dos módulos, incluindo diferentes inclinações e fatores de preenchimento.
O projeto agrovoltaico da Horta Urbana Solar irá avaliar o potencial da abordagem combinada de geração fotovoltaica e produção agrícola. O desempenho do sistema fotovoltaico com módulos bifaciais poderá beneficiar da radiação refletida nas plantas, que refletem radiação num comprimento de onda favorável à conversão fotovoltaica nos módulos PV. A geração fotovoltaica poderá ainda beneficiar da redução da temperatura ambiente. Por outro lado, a produção agrícola, e concomitante necessidade de rega, poderá beneficiar de um ambiente local mais protegido, com algum sombreamento sobretudo nas épocas do ano com maior stress térmico.

Miguel Centeno Brito1,3, David Avelar2,3, Ivo Costa1,3, Florian Ulm2,3, Guilherme Gaspar1,3, António Vedes4, João Manita3, Jobim Convié3
1 IDL; 2 CE3C; 3 FCUL; 4 IMAGE4ALL