Tal como acontece com qualquer bem essencial, a eletricidade é percecionada como abundante e sempre disponível, mas excessivamente cara. Esta perceção amplifica-se quando é feita uma comparação com outros países, sendo a perceção pública de que Portugal regista os preços da eletricidade mais elevados da Europa.
Através da base de dados do Eurostat é possível verificar se tal sentimento se coaduna com o histórico de preços da eletricidade no consumidor doméstico, com ou sem respetivas taxas e impostos, para os países na União Europeia e na Zona Euro. Mas há que ter especial atenção à banda de consumo que se pretende analisar em detalhe para obter informação que tenha um significado prático para a maioria dos consumidores, neste caso do setor doméstico.
Segundo o Eurostat, a banda média de consumo de referência para efeitos comparativos entre a União Europeia é a banda DC, isto é, um nível de consumo de eletricidade anual situado entre 2500 e 5000 kWh. Questiona-se, pois, a adequabilidade desta banda na representatividade dos consumos no caso de Portugal, atendendo que é um dos países europeus onde os indicadores de pobreza energética registam valores mais elevados e, por isso, muitas famílias realizam consumos de eletricidade abaixo das suas reais necessidades.
Por outro lado, o país beneficia de um clima que não obriga (para já) a um nível tão elevado de consumos para climatização dos espaços interiores comparativamente com outros países europeus, além de que o aquecimento e arrefecimento estar ainda pouco eletrificado no setor doméstico português.
Histórico de consumo nas bandas DA e DB
De acordo com dados do Pordata1, o consumo médio de eletricidade no setor doméstico ronda os 1300 kWh/ano por habitante. Deste modo, um agregado doméstico que, em média, é composto por 2,4 pessoas2, irá consumir cerca de 3200 kWh/ano, situando-se perto do limite inferior da banda DC.
Assim, e como mostra o mais recente Boletim de comparação de preços de eletricidade publicado pela ERSE3, cerca de 1/3 do consumo elétrico ocorre na banda DC, correspondendo a apenas 25% do total de clientes. De facto, 2/3 dos clientes situam-se no conjunto das bandas DA e DB, isto é, efetuam consumos anuais de eletricidade inferiores a 1000 kWh e entre 1000 e 2500 kWh, respetivamente, pelo que serão estas as bandas de consumo que mais abrangem o universo de famílias portuguesas.
Na Figura 1 pode ver-se o histórico retirado do Eurostat considerando a banda DA em Portugal (curva verde), na Zona Euro (tracejado amarelo), na União Europeia dos 27 (tracejado preto), e em alguns países particularmente interessantes de realçar para efeitos comparativos.
Neste caso, verifica-se que o preço médio da eletricidade em Portugal tem sido inferior à média dos países na União Europeia e Zona Euro, desde 2022. Ao longo dos anos representados, nunca ocorreu que o nosso país registasse o preço mais alto, sendo clara a tendência de aproximação à média europeia até 2018, quando igualou a mesma.
Por seu lado, observando a evolução dos preços na banda DB, representada na Figura 2, é de realçar que a curva relativa a Portugal se encontra abaixo da média europeia desde 2019, tendo sido muito próxima a esta última ao longo de todo o histórico. Outro facto evidente na figura é a transição pós-pandemia em 2021, quando os preços aumentaram na generalidade dos países, assim como a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, em que os preços voltaram a disparar. Contrariamente, em ambos os casos, a situação portuguesa manteve-se estável e, por isso, as famílias portuguesas não terão sentido um aumento percentual alarmante na sua fatura de eletricidade.
A crescente contribuição das tecnologias renováveis para o mix eletroprodutor português, incluindo a extinção da produção através de carvão em 2021, permitiu (e permite) reduzir a aquisição de gás natural para produção de eletricidade, uma necessidade presente nos países com menor penetração renovável. É, ainda, importante mencionar o Mecanismo de Ajuste do Mercado Ibérico de Eletricidade que balizou os preços do gás para produção elétrica durante o período inicial da invasão da Ucrânia, mas que, no decorrer do seu phase-out (segundo os pontos 1 e 5 do Artigo 4 do Decreto-Lei 33/2022) e pela maior produção renovável, se tornou obsoleto no início de 2023.
A fatura de eletricidade do cliente em BTN (Baixa Tensão Normal), banda DA ou banda DB, possui uma
componente do Acesso às Redes mais pesada, comparativamente às bandas de consumos superiores (fora da baixa tensão), dado que incorpora os diferentes níveis de tensão da rede e uma quota superior da componente do uso global do sistema – sobretudo contabilizada na componente fixa da tarifa “ao dia”, não sendo proporcional ao consumo efetuado. Se a esta se acrescentarem as Taxas e Impostos, também fixos, o conjunto das duas componentes pode chegar a representar quase metade do valor da fatura, sendo que Portugal figura como um dos países onde a carga de impostos é mais elevada.
- Municípios: consumo de energia elétrica por habitante: total e por tipo de consumo | Pordata. ↩︎
- Portugal: dimensão média dos agregados domésticos privados | Pordata. ↩︎
- Boletim-eletricidade-eurostat_2023s2.pdf (erse.pt). ↩︎
Sara Freitas
APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis
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