renováveis magazine

energias renováveis e a crise dos combustíveis fósseis

das respostas da Transição Energética aos desafios: uma questão de integração inteligente

A evolução da Transição Energética tem sido objecto de sucessivas medidas que vão sendo propostas á medida que as evidências das alterações climáticas são mais fortes.

Por todo o mundo há iniciativas para a descarbonização incluindo os países em desenvolvimento. A evidência científica parece ter finalmente alertado para a consciência colectiva.

Na Europa a Comissão Europeia (CE) tem uma estratégia bem definida com metas obrigatórias a ser seguidas pelos Estados Membros. A Transição Energética tem como principal referência o “EuropeanGreenDeal” (EGD) que convoca os Estados Membros para a acção através de medidas concretas, mas adaptadas às condições locais. Trata-se do instrumento de política que visa dar resposta às alterações climáticas fruto do efeito antropogénico há muito alertado pelo “Inter Government Panel for Climate Change” (IPCC). O EGD começa por apostar na eficiência energética em todos os sectores seguido da electrificação, a partir de fontes renováveis, do sistema de energia e também da utilização de gases renováveis nos sectores onde o uso de electricidade é inviável ou quando há que garantir flexibilidade, acomodação de renováveis no sistema e assegurar segurança de abastecimento fruto da integração das diferentes tecnologias renováveis que apresentam variabilidade. Acresce que a Transição Digital veio trazer inteligência ao sistema de energia o que permite a integração das renováveis de forma optimizada e de acordo com a oferta e consumos locais. O EGD tem vindo a ajustar-se em função dos acontecimentos da actualidade sejam as sucessivas CoP, a CE levou à CoP26 o pacote FITfor55 com novos compromissos de descarbonização e como resposta à guerra o documento de gestão REPowerEU.

A implementação do EGD tem vindo a ser monitorizada e complementada com medidas que visam acelerar a penetração de energia produzida a partir de fontes renováveis, mas simultaneamente dar resposta aos sucessivos acontecimentos que têm vindo a desestabilizar a economia mundial, sejam a pandemia ou a inesperada guerra na Europa. As medidas recentes têm sido muito impulsionadas pelo momento geopolítico. Neste âmbito a Comissão de Ursula von der Lyen fez publicar dois importantes instrumentos de política.


Em primeiro lugar, após vários estudos que alertam para quantidade de matérias-primas críticas e/ou estratégicas para a produção de tecnologias que viabilizem a transição energética foi apresentado a 14 de Março o “Critical Raw Materias Act”. Já desde 2021 começou a ser desenhado um pacote legislativo da União Europeia com o objectivo de garantir o fornecimento seguro e sustentável de matérias-primas críticas essenciais para muitos sectores industriais, como equipamento electrónico, sector do transporte, sector da energia ou da defesa, e que têm um alto risco de escassez devido a factores como oferta limitada, instabilidade política em países produtores ou impactos ambientais. Este Acto prevê a implementação de medidas para garantir o acesso justo e seguro a essas matérias-primas, incluindo a promoção da mineração sustentável na UE, o desenvolvimento de novas tecnologias para a reciclagem, a redução do desperdício de matérias-primas críticas, e a diversificação das fontes de abastecimento por meio de acordos comerciais internacionais e garantindo que:

  • Pelo menos que 10% das necessidades seja extraído na Europa;
  • Pelo menos 40% do consumo seja processado na Europa;
  • Pelo menos 15% do consumo seja abastecido a partir de reciclagem;
  • O abastecimento a partir de um único país não deve ultrapassar 65% das necessidades europeias.

Uma segunda iniciativa recente, com o objectivo principal de mitigar os impactos negativos do “Inflaction Act” dos Estados Unidos é o “Net Zero Industry Act”. Trata-se de uma legislação que tem como objectivo tornar a indústria neutra em carbono até 2050. O “Net Zero Industry Act” propõe uma série de medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da indústria, incluindo:

  • Estabelecer metas de redução das emissões para sectores específicos como o cimento ou o aço;
  • Investir em tecnologias de baixo carbono e incentivar a inovação;
  • Promover a eficiência energética nas instalações industriais;
  • Desenhar medidas de apoio para fontes de energia renovável;
  • Desenhar um mercado claro e justo de carbono.

A legislação ainda está em fase de discussão e não foi aprovada, mas reflecte a crescente preocupação global com as mudanças climáticas e a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para evitar impactos ambientais graves. Trata-se de legislação que visa tornar a indústria mais sustentável e alinhada com as metas definidas no Acordo de Paris.

O objectivo final do “Net Zero Industry Act” é apoiar a indústria na redução das emissões líquidas de gases de efeito estufa para zero até 2050 ou antes, como parte dos esforços globais para combater as mudanças climáticas. A implementação do “Net Zero Industry Act” pode variar dependendo da jurisdição ou país em que for aprovado, mas geralmente envolverá a criação de uma estrutura regulatória para garantir que as metas de redução de emissões líquidas sejam alcançadas. Apresento de seguida alguns possíveis passos que, propostos isoladamente ou em simultâneo, contribuirão para que se atinjam os objectivos.

  • Definição de metas e prazos realistas que permitam atingir o objectivo global do aumento médio da temperatura limitado a 1,5° Celcius acima de níveis pré-industriais;
  • Identificação de sectores e tecnologias chave cujo impacto em emissões é grande e que precisam de mudanças significativas para alcançar as metas definidas. Por exemplo, sectores como produção de cimento, siderurgia e transporte de longo curso em terra, marítimo ou aéreo e que podem exigir mudanças significativas para reduzir suas emissões líquidas de gases de efeito estufa;
  • Desenvolvimento de incentivos e medidas regulatórias para apoiar as empresas a adotar tecnologias mais limpas e reduzir suas emissões, o governo pode oferecer incentivos, como subsídios para energia renovável, programas de crédito tributário, etc. Além disso, medidas regulatórias obrigatórias, como padrões de eficiência energética para edifícios e veículos, podem ser implementadas para reduzir as emissões. Muito importante é o facto de que as medidas regulatórias devem ser estáveis, transparentes e simplificadas;
  • Monitorização e relatórios: para garantir que as metas sejam alcançadas e que as empresas estão a cumprir com suas obrigações, é necessário um sistema de monitorização e relatórios. As empresas podem ser obrigadas a reportar as emissões de gases de efeito estufa e os progressos realizados em direção às metas obrigatórias;
  • Investimento em tecnologias de baixo carbono: o governo deve investir em tecnologias de baixo carbono e em investigação para acelerar a transição para uma economia de energia limpa. Isso pode incluir investimentos em energia renovável, armazenamento de energia, tecnologias de captura de carbono e outras soluções inovadoras;
  • Deve ser dada atenção à garantia de capacidades e competências no mercado de trabalho.

O quadro seguinte lista as principais tecnologias objecto de estudo e que fazem parte do anexo do “Net Zero Industry Act”.

Tecnologias
Solar fotovoltaico e solar térmico
Eólico “onshore” e “offshore
Baterias e armazenamento
Bombas de calor e geotérmicas
Electrolizadores e pilhas de combustível
Biogás e biometano
Sequestro e captura de carbono
Rede eléctrica e de gás
Quadro 1. Tecnologias para a Transição.

Estes são alguns dos possíveis passos que podem ser acautelados para implementar o “Net Zero Industry Act”. A implementação real dependerá de vários factores, como as condições locais, o sector industrial e as necessidades específicas de cada país ou região.

Em complemento a estas medidas, a presidente da Comissão tem impulsionado o diálogo e a colaboração seguindo o exemplo do bom resultado de políticas conjuntas como foi o caso da aquisição de vacinas ou da acção sobre o mercado da energia como resposta à redução do abastecimento do gás russo. Também tem vindo a actuar para garantir medidas conjuntas com Estados Unidos com vista a garantir colaboração entre mercados no abastecimento de matérias-primas.

Em linha com o que a CE solicita, o LNEG desenvolveu um estudo que apresentou ao Governo com vista à simplificação de procedimentos. Incidiu sobre áreas disponíveis para implantação de investimentos em Energias Renováveis de âmbito nacional.

O estudo desenvolvido no LNEG foi feito em colaboração com a Agência Portuguesa do Ambiente, a Direcção Geral de Energia e Geologia, a Direcção Geral do Território, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Direcção-Geral do Património Cultural. Avaliou-se e identificou-se pela primeira vez as áreas de Portugal (Continental) com menor sensibilidade ambiental e patrimonial com vista à potencial futura instalação de centros electroprodutores de energia renovável solar PV e eólica. Trata-se de um estudo pioneiro que contribui para antecipar em dois anos o requisito de simplificação da Comissão Europeia para fazer face à crise energética actual.

Como vimos, as metas climáticas e a crise energética na Europa exigem a aceleração de implementação de centrais renováveis que em Portugal são fundamentalmente solares e parques eólicos. Temos vindo a assistir, em Portugal e na União Europeia, a um crescendo nos conflitos com uso do solo, uma vez que é preciso uma grande área para produzir electricidade renovável, por vezes já ocupada com espécies protegidas ou por ex. já tendo interesse mineiro ou florestal. Pode ainda haver conflitos devido ao impacte na paisagem ou no património arqueológico, entre outros.

O trabalho que se suporta na nossa ferramenta digital, o GeoPortal, identificou as áreas com menor sensibilidade (ambiental e patrimonial) que poderão vir a ser elegíveis para um processo de licenciamento mais simplificado para unidades de produção de energia de fonte renovável solar e eólica. Será assim possível futuramente acelerar a sua implementação, porém salvaguardando outros valores ambientais e territoriais.

Trata-se de um estudo científico sem caráter legal ou vinculativo e que deve ser periodicamente actualizado e complementado à medida que se aumenta informação consolidada para todo o país, como por exemplo o exposto nos PDM.

Teresa Ponce de Leão
Presidente do Conselho Directivo
LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia
Tel.: + 351 210 924 600/1
[email protected] www.lneg.pt

Fonte da imagem: IRENA

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